segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

EX MATA: KA’AGUY


A mata, ka’aguy, era complemento distinto da casa, onde vive o povo kaiowá em Mato Grosso do Sul. No espaço doméstico, convive com os parentes no pátio, okápe, e na casa, óga. Ali, as crianças também brincam e os adultos formam rodas de tereré e mate.
É no pátio que acontecem as rodas de dança com chicha, a bebida tradicional de milho sagrado e outras plantas. Ali também são confeccionados os artefatos necessários à sobrevivência de homens e mulheres. É distinto da mata, mas está próximo dela. Este pátio deve ser limpo, sendo varrido pelas mulheres com maior frequência antes de eventos importantes. O espaço em que vivem é uma clareira apropriada da mata e limpa pelo fogo. Esta limpeza marca o lugar em que vivem homens e os outros seres que habitam as matas.
Os recursos para a sobrevivência dos homens são retirados da mata e pertencem a outros seres, os jára, seus donos. Estes recursos devem ser retirados com parcimônia e consumidos com muito cuidado para que os humanos não adoeçam, resultado da guerra dos jára. Para que isso ão aconteça, é fudamental a figura religiosa dos xamãs, chamados de nhanderu, e das xamãs, chamadas de nhandesy. 
Entre os seres que habitam as matas, há o ka’aguy pórai. Esta história foi narrada aos professores indígenas pelas rezadoras (nhandesy) da etnia Guarani Tereza Martins Espíndola e sua filha Isaura Espíndola. Segundo elas, tudo o que comemos e plantamos, assim como a mata, têm um dono e conhecer as histórias e os saberes indígenas é uma forma de continuar a educação familiar segundo os princípios e valores culturais e fortalecer a identidade.
Ka’aguy Póra’i é um espírito que cuida das matas, tem o nariz grande, braços longos, olhos pretos, cabeludo, pernas tortas, peludo e feito. Se alguém entrar na mata sem ter sido batizado pelo cacique, pode se assustar, sentir medo e se perder na mata.
De acordo com a mitologia guarani-nhandéva, quando uma mulher dá à luz uma criança, é necessário fazer um batismo na cultura, para ser protegido da maldição do Ka’aguy Póra’i.
Este ritual protegerá a criança dos espíritos maus. Caso isto não ocorra, ela pode se tornar uma pessoa desobediente, frágil e rebelde. Quando a menina se torna moça, ela não pode entrar na mata porque o Ka’aguy Póra’i pode olhar para a menina, se apaixonar e a moça pode adoecer.
Este mito nos ensina que é preciso proteger as matas, não fazer queimadas, não desmatar, ou seja, não destruir as florestas. Como o Ka’aguy Póra’i mora na mata, é necessário pedir permissão a ele, fazendo jehovasa (um gesto ritual) antes de realizar alguma ação, como caçar, pescar, encontrar alimentos, frutos, sementes, remédios ou extrair madeira.
Mais recentemente, as sociedades indígenas enfrentam outros perigos desagregadores que chegaram das cidades até seus pátios e casas e são muito difíceis de serem varridos ritualmente. Os novos missionários, há séculos, trabalham para convencer os índios de que seus líderes religiosos tradicionais são feiticeiros e seus mitos são demoníacos. Assim agem muitos para convertê-los às igrejas cristãs. Deste modo, os índios vão ficando sem a proteção dos rezadores contras os seres da floresta e estes sem a floresta diante de madeireiros e arrendatários, entidades que desejam as matas e as terras somente para suas negociatas.

REFERÊNCIAS E FONTES:
PEREIRA, L. M. Os Kaiowá em Mato Grosso do Sul. Dourados: EdUFGD, 2016.
SOUZA GUARANI, T. et all. Ka’aguy Pórai. Dourados: EdUFGD, 2018.
GONÇALVES GUARANI, Claudia. Ilustração Ka’aguy Pórai. 2017.



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