A mata, ka’aguy, era complemento distinto da casa, onde vive o povo
kaiowá em Mato Grosso do Sul. No espaço doméstico, convive com os parentes no
pátio, okápe, e na casa, óga. Ali, as crianças também brincam e os adultos
formam rodas de tereré e mate.
É no pátio que acontecem as rodas de dança com
chicha, a bebida tradicional de milho sagrado e outras plantas. Ali também são
confeccionados os artefatos necessários à sobrevivência de homens e mulheres. É
distinto da mata, mas está próximo dela. Este pátio deve ser limpo, sendo
varrido pelas mulheres com maior frequência antes de eventos importantes. O
espaço em que vivem é uma clareira apropriada da mata e limpa pelo fogo. Esta
limpeza marca o lugar em que vivem homens e os outros seres que habitam as matas.
Os recursos para a sobrevivência dos homens são
retirados da mata e pertencem a outros seres, os jára, seus donos. Estes
recursos devem ser retirados com parcimônia e consumidos com muito cuidado para
que os humanos não adoeçam, resultado da guerra dos jára. Para que isso ão
aconteça, é fudamental a figura religiosa dos xamãs, chamados de nhanderu, e
das xamãs, chamadas de nhandesy.
Entre os seres que habitam as matas, há o ka’aguy
pórai. Esta história foi narrada aos professores indígenas pelas rezadoras
(nhandesy) da etnia Guarani Tereza Martins Espíndola e sua filha Isaura
Espíndola. Segundo elas, tudo o que comemos e plantamos, assim como a mata, têm
um dono e conhecer as histórias e os saberes indígenas é uma forma de continuar
a educação familiar segundo os princípios e valores culturais e fortalecer a
identidade.
Ka’aguy Póra’i é um espírito que cuida das matas,
tem o nariz grande, braços longos, olhos pretos, cabeludo, pernas tortas,
peludo e feito. Se alguém entrar na mata sem ter sido batizado pelo cacique,
pode se assustar, sentir medo e se perder na mata.
De acordo com a mitologia guarani-nhandéva, quando
uma mulher dá à luz uma criança, é necessário fazer um batismo na cultura, para
ser protegido da maldição do Ka’aguy Póra’i.
Este ritual protegerá a criança dos espíritos maus.
Caso isto não ocorra, ela pode se tornar uma pessoa desobediente, frágil e
rebelde. Quando a menina se torna moça, ela não pode entrar na mata porque o
Ka’aguy Póra’i pode olhar para a menina, se apaixonar e a moça pode adoecer.
Este mito nos ensina que é preciso proteger as
matas, não fazer queimadas, não desmatar, ou seja, não destruir as florestas.
Como o Ka’aguy Póra’i mora na mata, é necessário pedir permissão a ele, fazendo
jehovasa (um gesto ritual) antes de realizar alguma ação, como caçar, pescar,
encontrar alimentos, frutos, sementes, remédios ou extrair madeira.
Mais recentemente, as sociedades indígenas
enfrentam outros perigos desagregadores que chegaram das cidades até seus
pátios e casas e são muito difíceis de serem varridos ritualmente. Os novos
missionários, há séculos, trabalham para convencer os índios de que seus
líderes religiosos tradicionais são feiticeiros e seus mitos são demoníacos.
Assim agem muitos para convertê-los às igrejas cristãs. Deste modo, os índios
vão ficando sem a proteção dos rezadores contras os seres da floresta e estes
sem a floresta diante de madeireiros e arrendatários, entidades que desejam as
matas e as terras somente para suas negociatas.
REFERÊNCIAS E FONTES:
PEREIRA, L. M. Os Kaiowá em Mato Grosso
do Sul. Dourados: EdUFGD, 2016.
SOUZA GUARANI, T. et all. Ka’aguy
Pórai. Dourados: EdUFGD, 2018.
GONÇALVES GUARANI, Claudia. Ilustração
Ka’aguy Pórai. 2017.
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