quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

CAMINHO



A nação guarani se fez transitando por muitos caminhos e o Rio Paraguai foi uma das vias de sua expansão. Assim chegaram aos locais onde seu modo-de-ser, teko, encontraria possibilidades de desenvolvimento, crescimento e vida. Esta dispersão durou séculos e resultou muitas vezes de fugas e expulsões. http://labhei.ning.com/forum/topics/caminho
Ao longo dos anos surgiram diversas formas de vida guarani sem perder a nidade essencial em torno do teko, seu ser, seu estado de vida, sua condição, seu estar, sua lei, seus hábitos. Um dos principais especialistas neste modo de vida no tempo colonial foi o padre Antonio Ruiz de Montoya. Em sua caminhada, os Guarani guaranizaram as terras onde pisaram, a fizeram humana e familiar. Sua vivência materializa a terra sem mal, terra que se desdobra na terra, no dia-a-dia. Seu modo de vida é moderado e sem depredação.
No entanto, seus territórios foram alvo da cobiça individual e empresarial por ser serem terras férteis. Os usurpadores depredam e vivem como se não houvesse amanhã. Tratam de obter o maior lucro no menor tempo possível sem se preocupar com as consequências ambientais da derrubada das matas e empobrecimento do solo.
A cultura guarani e as culturas indígenas têm muitos ensinamentos valiosos para as sociedades não-indígenas, mas ainda assim vivem um mundo de violência e abandono em seus direitos humanos essenciais. Trilham ainda seu caminho, buscando justiça, sem saber até quando.

Fontes: MELIÁ, Bartomeu. Caminho Guarani. 2016. Prefácio. Adaptação.

Iconografia: Família guarani capturada por caçadores de índios, Jean Baptiste Debret, 1830.


domingo, 27 de janeiro de 2019

AIMORÉ


Os Aimoré eram vistos como o castigo de Deus que punia as atrocidades cometidas pelos portugueses contra os indígenas. Sua belicosidade atrasou um pouco as frentes mineradoras e agropastoris no sul da Bahia, vale do Rio Doce e norte do Espírito Santo. Após o acordo de paz de 1567, que submeteu os sobreviventes ao trabalho escravo nos engenhos, os portugueses prosperaram como nunca no Recôncavo Baiano e Ilhéus. Muitos viviam em Portugal e nunca pisaram na terra, mas a partir de 1568 a prosperidade do sul da Bahia voltou a ser ameaçada pelos Aimoré, um grupo que vivia mais para o interior. Era um grupo muito distinto dos Tupi. Eram coletores e vivam em abrigos precários, chamados de tapuí. Possivelmente deste vocábulo veio o termo Tapuia, morador de tapuí, rancho, nome pelo qual eram chamados os povos que não eram Tupi. Gabriel Soares de Sousa descreveu-os em 1587 como grandes corredores, péssimos nadadores, excelentes flecheiros que nunca erravam o tiro e sempre carregavam pesadas bordunas. O pavor que tomou conta dos engenhos era tamanho que bastava 6 ou 7 guerreiros aimorés para destruir um engenho com mais de cem pessoas. Os moradores de Ilhéus fugiam para a Bahia pelo litoral, mas em pouco tempo os Aimorés descobriram a rota de fuga dos portugueses e os atacavam. Somente os que entravam no mar e fugiam em barcos sobreviviam. Àquele tempo, as armas portuguesas não eram superiores às dos Botocudo, mas com o desenvolvimento da indústria bélica, o porte e a posse estimulada, aliada às epidemias, à cachaça distribuída pelo rei D. João VI, ao presídio, permitiram o esmagamento destes índios em nome da legitimidade da nação brasileira e de seus senhores.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

ISABEL DIAS


A memória da tupiniquim Isabel Dias foi o tema escolhido para a aniversário de São Paulo: 25 de janeiro de 1554. Isabel Dias nome português dado em batismo à índia Bartira, flor de que desabrochará, lembra a fundação e os métodos do Colégio Jesuíta para converter os índios, combatendo seus costumes na tentativa de transformá-los em mão-de-obra para as fazendas e soldados na guerra contra os inimigos. A construção é chamada de marco zero da cidade no planalto de Piratininga foi o ponto de partida para era ampliar as fronteiras, escravizando mais índios de outras aldeias e explorando as riquezas fabulosas do interior. Eram outros tempos, na verdade, época em que os índios eram acusados de bárbaros, indolentes e sem religião poderiam ser despidos de seus bens, “zerados” em seus costumes, reduzidos em sua mobilidade e território e, acusados de seguidores do Diabo, padecer na terra de todos os tormentos até se tornarem cristãos obedientes, súditos dedicados e aliados dos projetos de sua própria conquista. Bartira e seus parentes foram arrastados e confinados para o interior do pátio num enredo que está expresso na escultura “O Evangelho na Selva” que adorna o interior do Pátio do Colégio em São Paulo. Esta escultura a representa curvada, com as mãos piedosas recolhidas no peito em sinal de conversão e o missionário em pé na posição de quem ensina. Ela ouve, o missionário fala. Se Bartira falasse, certamente contaria outra história. As vilas portuguesas que colonizaram o Brasil não foram o marco zero, pois João Ramalho, português, foi integrado ao grupo de Tibiriça, “Tevireçá”, o cacique que tinha olhos das nádegas, pelo casamento-aliança com sua filha. Ramalho está para Tibiriçá assim como Caramuru está para Taparica. Em torno do local de Tibiriçá foi erguido o primeiro aldeamento da região, constituído em bases tupi e novos arranjos políticos numa relação primeiro de igualdade e depois de subordinação. A aliança com os índios é que permitiu formalizar a presença portuguesa e a intromissão na lógica da inimizade indígena foi o mecanismo para conseguir mais escravos, fomentando as guerras. Não fosse Bartira, Cauiby, Tibiriçá e outros “principais”, chefes-sogro capazes de agregar muitos genros na paz e na guerra, a vila de Piratininga jamais teria sido fundada e nem resistiria aos ataques sofridos. A ilustração abaixo propõe três alternativas históricas de marco zero para São Paulo: Inhapuambuçu-São Paulo (Cacique Tibiriçá), Ururay-São Miguel (Cacique Piqueroby) e Jerubatuba-Santo Amaro (Cacique Caiuby). Com informações de: ANJOS, Ana Cristina Chagas dos. Diálogos entre Patrimônio, Meio ambiente e Aprendizagem. Tese de Doutorado. USP, São Paulo: 2016.


BOTOCUDO


Botocudo foi a identidade genérica atribuídas pelos colonizadores portugueses a vários grupos indígenas macro-jê em diferentes regiões geográficas do Brasil. O termo decorre do fato de que a maioria destes indivíduos usava botoques no lábio e nas orelhas.
A vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, é um episódio importante no processo de formação do Brasil independente e que impactou a história destes povos indígenas. O sistema colonial passava por uma crise, gerada pelas guerras napoleônicas e ascensão do liberalismo para os europeus e submissão para os americanos. D. João VI fugiu de Portugal para o Brasil com a ideia de industrializar o Brasil. Um dos meios que tentou implantar o seu projeto foi declarar guerra contra os índios botocudos do rio Doce (Capitanias de Minas Gerais e Espírito Santo), inaugurando assim a acusação que segue até hoje de que os índios são entraves ao progresso do país e devem ser exterminados como se fossem pragas. A carta régia de 13 de maio de 1808 legalizava sua captura e cativeiro por até dez anos ou enquanto durasse a «fereza» e a «antropofagia», segundo a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha.
Os colonos, premiados pelo rei que queria reconstruir seu império, receberam as terras dos Botocudos escravizados. Os índios eram os pagãos castigados pelo Deus cristão pela sua rebeldia contra os brancos. Os registros históricos apontam que Salvador Correa de Sá, militar e poderoso proprietário de terras, localizou várias nações tapuias nas imediações do Rio Doce em 1577, como Patachós, Apuraris e Puris, onde construíam suas casas (tapuí) e faziam cauim.
Mais recentemente, recebemos novas notícias de que os antigos tapuias do Rio Doce, agora conhecidos como Pataxó Hãhãhãi, foram atacados por outra frente colonial, mais tóxica que aquelas do império português. Os rejeitos da mineração barragem da Brumadinho, Minas Gerais, obrigaram 25 famílias a deixarem a aldeia Naô Xohã, na tarde desta sexta, 25, para a parte mais alta do município de São Joaquim de Bicas, área onde vive a comunidade. Mais uma vez o Deus capital, agora conhecido como MMX Mineração e Metálicos S.A, continua sua guerra aos índios, deixando o seguinte recado: é este o modelo de desenvolvimento desejado para as terras indígenas como prega o governo ? Segundo Eni Carajá, sua aldeia fica na margem do rio, de onde tiram seu sustento. A lama já está muito perto de sua aldeia e pode comprometer a subsistência.
A pequena área que estes índios ocupam tem 30 hectares e é reclamada por uma mineradora que pertence ao empresário Eike Batista. Há um ano e meio os Pataxó Hã-hã-hãe ocuparam 30 hectares de terras. A área da aldeia evacuada é protegida como reserva ambiental e está sob litígio, pois a propriedade está registrada em nome do empresário Eike Batista. Mais um trecho da longa marcha de guerra levada pelo Estado até os povos indígenas.

Iconografia: Combate de Botocudos em Mogi das Cruzes, quadro de Oscar Pereira da Silva, acervo do Museu Paulista da USP.
Fontes: ISA, CIMI, WIKIPEDIA, MOREIRA (2010).

BARTIRA


As fontes históricas para a biografia da índia Mbicy e as contribuições indígenas para a história brasileira são muitas, mas precárias em nosso modo de ver, pois a cultura tupi era exclusivamente oral e, mesmo assim, o abáñeenga, a língua dos humanos, tornou-se a língua comum, ñeendyba, mais utilizada no Brasil a ponto de ser proibida pelo Marques de Pombal (1758). O tempo também era medido de modo diferente. O tempo longo pela florada das plantas como o Bambu, o tempo curto pela alternância das luas, o tempo maior pelas chuvas e posição das trovoadas, o ciclo anual pelo movimento das constelações que anunciavam o inverno e pela pesca anual da Tainha. Muitos historiadores, na tradição de Francisco Adolfo de Varnhagen, acreditavam que somente as fontes escritas devem ter credibilidade, mas os povos indígenas são capazes de guardar o nome de centenas de antepassados, parentes, e fatos na memória, como bem contou Darcy Ribeiro. No caso de Bartira, sua mãe Potyra, seu pai Tebireçá e seu marido João Ramalho, as informações escritas foram registradas em cartas e estudos por pessoas como Luiz Gonzaga da Silva Leme, Pero Correa, José de Anchieta, Diogo Jacome, Manoel de Chaves, Azpilcueta Navarro e Manoel da Nóbrega. O primeiro relato é de Pero Correa (20/06/1551): Bartira “é umas dessas (índias doutrinadas) se achou a umas 10 légoas onde quiseram tratar mal nosso Padre e o ameaçaram com um pau, e o ameaçador foi um homem que a 40 anos [João Ramalho] está nesta terra e tem já bisnetos e sempre viveu em pecado mortal e anda excomungado”. Vejam que o relacionamento de João Ramalho com os padres não era amistoso e que a razão era a condenação moral de seu comportamento pelos jesuítas.