quarta-feira, 8 de maio de 2019

O ROUBO DAS FLECHAS


Os mitos são uma racionalidade de caráter esotérico que descreve a cosmogênese dos deuses, do mundo e dos homens. Os povos indígenas produziram e continuam atualizando as narrativas sobre os gêmeos.
As versões do Mito dos Gêmeos são variadas, antigas e conectadas com muitas outras histórias correlatas. Curt Unkel Nimuendaju, recolheu algumas as versões deste mito e do dilúvio entre os índios apapokuva-guarani que habitavam o sul do Mato Grosso brasileiro. A história dos gêmeos também foi anotada por André Thevet em meados do século XVI entre os tupinambá do litoral brasileiro. Há versões dos guarani do Paraguai, recolhidos por León Cadogan, versões kaiowá de Mato Grosso do Sul, compiladas em 1975 por Wilson Galhego e Aniceto Ribeiro e publicadas no periódico Terra Indígena (2000) da UNESP. Piérre Clastres registrou o mito em trabalhos de campo entre os guarani Mbya no ano de 1965.
No século XVIII, o povo Kamakã habitava pequenas aldeias, no curso médio do rio Pardo e entre este e o rio das Contas. Em 1938, restava de toda tribo uma única índia que conhecia a língua e de algumas tradições: Jacinta Grayirá. Foi esta anciã que legou um relato do roubo das flechas a Nimuendajú no Posto Paraguaçu do Serviço de Proteção aos lndios, no sul da Bahia.
Contam que o sol e lua não tinham mais flechas. Então Sol foi à lagoa de uma aldeia. Colocou três camadas de casca de árvores sobre suas costas, um sobre a outra, e transformou-se num carpincho, capivara. Ficou esperando que viesse alguém buscar água. Logo chegou uma mulher que gritou: - uma capivara! Venham caçá-la. Os caçadores chegaram correndo e encheram o animal de flechadas, cobrindo-lhe todo o corpo.
O sol mergulhou, nadou e levou consigo todas as flechas. Longe da aldeia, voltou à forma humana, puxou as flechas da casca de pau e juntou dois feixes grossos. Um para ele mesmo e outro para o irmão mais novo, a Lua. Deu o feixe do irmão e aconselhou: - aqui está seu presente! Fique satisfeito com ele.
O irmão era muito teimoso e quis juntar mais flechas. Foi à lagoa da mesma aldeia e mesmo com os conselhos do irmão mais velho para colocar pelo menos três camadas de casca sobre as costas, achou que apenas seria suficiente. Depois transformou-se em capivara e ficou sentado esperando os caçadores. Assim que chegaram os homens com seus arcos, atiraram as flechas que romperam a proteção e mataram a lua.
Os guerreiros levaram a lua para sua aldeia, esquartejaram seu corpo em pedaços e o assaram num girau. O sol pensou muitos meios para salvar seu irmão. Por fim, assumiu a forma de um beija-flor, voou em torno de seu corpo, agarrou um pedacinho do tamanho de um dedo e voou de volta. Com este pedacinho conseguiu ressuscitar o irmão, repreendendo-o bastante seu comportamento e ameaçou abandoná-lo caso não se corrigisse.

REFERÊNCIAS E FONTES:
AQUINO, João. Mito dos Gêmeos. Tradução de João Aniceto. Compilado por Wilson Galhego Garcia. Araçatuba: Faculdade de Odontologia, 1975.
CASTRO, Eduardo Viveiros de. 104 Mitos Indígenas Inéditos na Obra de Kurt Nimuendajú. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. N. 21, 1986.
Clastres, Pierre. A fala sagrada. Campinas: Papirus, 1990.
Garcia, Wilson Galhego; Ribeiro, Aniceto. Cinco versões dos mitos dos gêmeos entre os Kaiová, Terra Indígena, n. 82: 11-201. out 2000.
NOTAS:

1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karai Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
2. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às mídias sociais.
3. A grafia adotada para as palavras indígenas segue a forma das fontes consultadas.
4. Metadados: sol, lua, carpincho. ImageM: ANTONINI, Carla. Carpincho. 2005.


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