Os mitos são uma racionalidade de caráter esotérico que
descreve a cosmogênese dos deuses, do mundo e dos homens. Os povos indígenas produziram
e continuam atualizando as narrativas sobre os gêmeos.
As versões do Mito dos Gêmeos são variadas, antigas e
conectadas com muitas outras histórias correlatas. Curt Unkel Nimuendaju, recolheu
algumas as versões deste mito e do dilúvio entre os índios apapokuva-guarani
que habitavam o sul do Mato Grosso brasileiro. A história dos gêmeos também foi
anotada por André Thevet em meados do século XVI entre os tupinambá do litoral
brasileiro. Há versões dos guarani do Paraguai, recolhidos por León Cadogan, versões
kaiowá de Mato Grosso do Sul, compiladas em 1975 por Wilson Galhego e Aniceto
Ribeiro e publicadas no periódico Terra Indígena (2000) da UNESP. Piérre
Clastres registrou o mito em trabalhos de campo entre os guarani Mbya no ano de
1965.
No século XVIII, o povo Kamakã habitava pequenas aldeias, no
curso médio do rio Pardo e entre este e o rio das Contas. Em 1938, restava de
toda tribo uma única índia que conhecia a língua e de algumas tradições: Jacinta
Grayirá. Foi esta anciã que legou um relato do roubo das flechas a Nimuendajú
no Posto Paraguaçu do Serviço de Proteção aos lndios, no sul da Bahia.
Contam que o sol e lua não tinham mais flechas. Então Sol
foi à lagoa de uma aldeia. Colocou três camadas de casca de árvores sobre suas
costas, um sobre a outra, e transformou-se num carpincho, capivara. Ficou esperando
que viesse alguém buscar água. Logo chegou uma mulher que gritou: - uma
capivara! Venham caçá-la. Os caçadores chegaram correndo e encheram o animal de
flechadas, cobrindo-lhe todo o corpo.
O sol mergulhou, nadou e levou consigo todas as flechas. Longe
da aldeia, voltou à forma humana, puxou as flechas da casca de pau e juntou
dois feixes grossos. Um para ele mesmo e outro para o irmão mais novo, a Lua.
Deu o feixe do irmão e aconselhou: - aqui está seu presente! Fique satisfeito
com ele.
O irmão era muito teimoso e quis juntar mais flechas. Foi à
lagoa da mesma aldeia e mesmo com os conselhos do irmão mais velho para colocar
pelo menos três camadas de casca sobre as costas, achou que apenas seria suficiente.
Depois transformou-se em capivara e ficou sentado esperando os caçadores. Assim
que chegaram os homens com seus arcos, atiraram as flechas que romperam a
proteção e mataram a lua.
Os guerreiros levaram a lua para sua aldeia, esquartejaram
seu corpo em pedaços e o assaram num girau. O sol pensou muitos meios para
salvar seu irmão. Por fim, assumiu a forma de um beija-flor, voou em torno de
seu corpo, agarrou um pedacinho do tamanho de um dedo e voou de volta. Com este
pedacinho conseguiu ressuscitar o irmão, repreendendo-o bastante seu comportamento
e ameaçou abandoná-lo caso não se corrigisse.
REFERÊNCIAS E FONTES:
AQUINO, João. Mito
dos Gêmeos. Tradução de João Aniceto. Compilado por Wilson
Galhego Garcia. Araçatuba: Faculdade de Odontologia, 1975.
CASTRO,
Eduardo Viveiros de. 104 Mitos Indígenas Inéditos na Obra de Kurt
Nimuendajú. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. N. 21,
1986.
Clastres, Pierre. A fala sagrada. Campinas: Papirus, 1990.
Garcia, Wilson
Galhego; Ribeiro, Aniceto. Cinco
versões dos mitos dos gêmeos entre os Kaiová, Terra Indígena, n. 82: 11-201. out 2000.
NOTAS:
1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor
em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karai
Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
2. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às
mídias sociais.
3. A grafia adotada para as palavras indígenas segue a forma
das fontes consultadas.
4. Metadados: sol,
lua, carpincho. ImageM: ANTONINI,
Carla. Carpincho. 2005.
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