O 16º Acampamento Terra Livre (ATL), maior encontro de
líderes indígenas do país, reunirá neste ano 5000 indígenas sob grande
animosidade em Brasília.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) chamou o Acampamento de
encontrão em suas redes sociais e disse que a conta da hospedagem e alimentação
dos índios será paga pelo contribuinte, anunciando que a “farra” acabaria em
seu governo. Na última quarta-feira (17), o governo federal foi além e
autorizou que a Força Nacional faça a segurança dos ministérios e Praça dos
Três Poderes durante o evento indígena.
A coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas
do Brasil (APIB), Sônia Guajajara, afirmou que é a primeira vez que há uma
antecipação para dificultar a chegada das delegações indígenas a Brasília. Os
participantes começarão a chegar nesta terça (23) e permanecerão na capital até
sexta-feira (26).
As despesas com transporte e alimentação são custeadas com
doações, reforçou Sônia Guajajara. Durante o evento também ocorrerão reuniões
de mulheres, comunicadores e dos professores indígenas com o Ministério da
Educação.
Os movimentos sociais indígenas constituem segmento da
sociedade brasileira, múltiplo e diverso, associado pelos cientistas sociais à
defesa da cidadania e organização em defesa dos interesses coletivos, pautado
em valores como altruísmo (jopói), em
oposição aos outros dois segmentos que buscam assegurar a racionalidade do
poder, o controle social e a (des)ordem econômica (sãmbyhyha). Neste contexto é compreensível o estranhamento entre o
Acampamento Terra Livre e o Estado brasileiro.
Este estranhamento tem uma (des)razão: a dívida histórica do
Estados nacionais com os povos nativos no Brasil, América Latina e do mundo. A
dívida história é vergonhosa porque resulta do racismo institucionalizado.
Os paradigmas de
políticas indigenistas para os povos indígenas nos últimos séculos de
colonização oscilaram dentro do espectro da conquista, pacificação, integração
e autonomia. Estes modelos não se sucederam cronologicamente, havendo
interpenetração entre as fases que vão se somando, de modo anacrônico e
recambiante, até o presente, conforme apontam os registros da Conferência
Nacional de Política Indigenista (CNPI) e das duas Conferências Nacionais de
Educação Escolar Indígena (CONEEI).
A resistência é secular, mas o movimento indígena data de fins
dos anos 1960, quando lideranças indígenas de várias regiões do País, com o
apoio de organizações indigenistas como a Operação Amazônia Nativa (OPAN) e o
Conselho Indigenista Missionário (CIMI), começaram a realizar Assembleias
Indígenas Intertribais para a discussão de seus problemas. À medida que
aumentava o número destas assembleias, crescia no cenário nacional a presença
de líderes indígenas como Mário Juruna, os Kretan, Xangrí e Raoni.
Este movimento tornou-se necessário e mais intenso com as
práticas de genocídio indígena que se intensificaram durante os projetos
desenvolvimentistas do Regime Militar brasileiro (1964-1985) e que produziram a
morte de mais de 8000 indígenas segundo levantamento da Comissão Nacional de
Verdade (CNV).
Por outro lado, as conquistas indígenas que resultaram nos
direitos fundamentais reconhecidos na Constituição Federal de 1988 e
disposições transitórias não foram cumpridas pelo Estado brasileiro e estão
mais ameaçadas que nunca no período democrático. O atual presidente, por
exemplo, em cumprimento à promessa de campanha de que não haveria mais um
milímetro de terra para índios, esvaziou a Funai (Fundação nacional do Índio) e
destinou ao Ministério da Agricultura atividades executadas pelo órgão
indigenista nos últimos 30 anos: a identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas no país.
A mudança
foi imposta por medida provisória no bojo da reestruturação administrativa do
governo federal e divulgada em Diário Oficial no dia 01 de janeiro, poucas
horas após sua posse.
REFERÊNCIAS E FONTES:
URIBE, Gustavo. Acampamento
Terra Livre. São Paulo: FSP, 20/04/2019.
VALENTE, Rubens. Bolsonaro
retira da Funai a demarcação de terras indígenas. São Paulo: FSP, 01/01/2019.
NOTAS:
1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor
em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karaí
Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
2. A grafia adotada para as palavras tupi e guarani seguem a
forma adotada pelas fontes consultadas, acrescidas de acentuação para facilitar
a pronúncia.
3. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às
mídias sociais.
4. Metadados: ATL,
Sônia Guajajara, APIB. Imagens: SOUSA, N. ATL 2017. Brasília, 2017.
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