Sousa, N.M.[1]
A narrativa mítica é uma hermenêutica dos fenômenos
visíveis, invisíveis, pregressos, atuais e futuros. Os personagens de hoje foram
escolhidos como interpretação do que não pode ser interpretado: a morte de oito
mil indígenas durante a ditadura militar (1964-1985).
Escolhemos falar sobre isto porque suas memórias não estão
contentes e clamam aos carrascos o que lhes é devido para que tenham descanso:
a justiça. Segundo a explicação dos kaiowá Nhandesy Alda e Nhanderu Getúlio, da
aldeia Jaguapiru, Dourados, MS, a reza feita antes de sepultar uma pessoa é
dirigida a Yvyjá Ruvichá, o cacique,
chefe da cobra-cega ou cobra de duas cabeças. Este ser habita os subterrâneos e
recebe o corpo dos mortos. Yvyjá
significa o dono ou guardião da terra, sendo o nome religioso de Evo’i Guasu, verme grande.
Trata-se de uma sub-ordem distinta das serpentes, mbói, e dos répteis, tejú, com designações em língua tupi e
portuguesa: ibicara, ibijara, licranço, mãe-de-saúva, rei-das-formigas e
ubijara. Este animal cava seus próprios túneis com a própria cabeça em
movimentos laterais. Tem hábitos subterrâneos, é carnívoro, alimenta-se de
pequenos insetos que penetram em seus túneis, e também caça na superfície.
De acordo com o mby’a Cantalício (CADOGAN, 1959, p. 62), da
Aldeia Yvy Pytã, se a cobra-cega, Evo’i
Guasu, aparece na casa ela vem para anunciar desgraças para quem mora no
lugar. Quando isto ocorre deve ser morta e seu corpo lançado na direção do sol
ponte, kuarahy reikê, para que nada
aconteça. Foi Nhanderu Mirî, ou Jakairá quem criou a segunda terra, o
Tatu e a Cobra-cega, deixando-a como dono da terra.
Xiru Jeguakarei é
o nome dado ao espaço-tempo do assassino. Montoya (1639) esclarece que o sufixo
rei relaciona-se a asco, podridão, inutilidade. Assim é o termo usado para
assassino na língua guarani, é o homem ou mulher cuja humanidade se corrompeu.
O canto de jeguakarei é proibido de executar no terreiro da casa e em qualquer
lugar público da aldeia, pois provoca conflitos, suicídios e homicídios,
desentendimento entre mulher e homem, desestruturando a vida familiar. Somente
pode ser cantado em local isolado e depois fazer mboro’y, para anular seu
efeito e não causar cobiça ou inveja.
Os discursos que negam a tortura e elogiam torturadores e
assassinos, jeguakarei, causam novas
desgraças, pois estimulam a violência. Nhanderu nos proteja dos portadores dos
males, kavajuvevê, com o mboro’y.
REFERÊNCIAS E FONTES:
SILVA, Alda. Nhandesy
Kaiowá. Aldeia Jaguapiru, 2019.
JUCA, Getúlio. Nhanderu
Kaiowá. Aldeia Jaguapiru, 2019.
CADOGAN, León. Mainomby
Reko Ypykue: Ayvu Rapyta. São
Paulo: USP, 1959.
Montoya,
Antonio Ruiz de. Tesoro de la Lengua
Guaraní. Madrid, 1639.
IMAGENS:
ANFISBENA. Educalingo.
Portugal, 2019.
[1] Pesquisa
e organização. Doutor em história da educação pela UFSCar. Karai Nhanderova’igua.
E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
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