terça-feira, 2 de abril de 2019

YVYJÁ RUVICHÁ E JEGUAKAREI: MORTE E ASSASSINATO.


yvyjÁ ruvichÁ e JEGUAKAREI: MORTE E ASSASSINATO.
Sousa, N.M.[1]
A narrativa mítica é uma hermenêutica dos fenômenos visíveis, invisíveis, pregressos, atuais e futuros. Os personagens de hoje foram escolhidos como interpretação do que não pode ser interpretado: a morte de oito mil indígenas durante a ditadura militar (1964-1985).
Escolhemos falar sobre isto porque suas memórias não estão contentes e clamam aos carrascos o que lhes é devido para que tenham descanso: a justiça. Segundo a explicação dos kaiowá Nhandesy Alda e Nhanderu Getúlio, da aldeia Jaguapiru, Dourados, MS, a reza feita antes de sepultar uma pessoa é dirigida a Yvyjá Ruvichá, o cacique, chefe da cobra-cega ou cobra de duas cabeças. Este ser habita os subterrâneos e recebe o corpo dos mortos. Yvyjá significa o dono ou guardião da terra, sendo o nome religioso de Evo’i Guasu, verme grande.
Trata-se de uma sub-ordem distinta das serpentes, mbói, e dos répteis, tejú, com designações em língua tupi e portuguesa: ibicara, ibijara, licranço, mãe-de-saúva, rei-das-formigas e ubijara. Este animal cava seus próprios túneis com a própria cabeça em movimentos laterais. Tem hábitos subterrâneos, é carnívoro, alimenta-se de pequenos insetos que penetram em seus túneis, e também caça na superfície.
De acordo com o mby’a Cantalício (CADOGAN, 1959, p. 62), da Aldeia Yvy Pytã, se a cobra-cega, Evo’i Guasu, aparece na casa ela vem para anunciar desgraças para quem mora no lugar. Quando isto ocorre deve ser morta e seu corpo lançado na direção do sol ponte, kuarahy reikê, para que nada aconteça. Foi Nhanderu Mirî, ou Jakairá quem criou a segunda terra, o Tatu e a Cobra-cega, deixando-a como dono da terra.
Xiru Jeguakarei é o nome dado ao espaço-tempo do assassino. Montoya (1639) esclarece que o sufixo rei relaciona-se a asco, podridão, inutilidade. Assim é o termo usado para assassino na língua guarani, é o homem ou mulher cuja humanidade se corrompeu. O canto de jeguakarei é proibido de executar no terreiro da casa e em qualquer lugar público da aldeia, pois provoca conflitos, suicídios e homicídios, desentendimento entre mulher e homem, desestruturando a vida familiar. Somente pode ser cantado em local isolado e depois fazer mboro’y, para anular seu efeito e não causar cobiça ou inveja.
Os discursos que negam a tortura e elogiam torturadores e assassinos, jeguakarei, causam novas desgraças, pois estimulam a violência. Nhanderu nos proteja dos portadores dos males, kavajuvevê, com o mboro’y.

REFERÊNCIAS E FONTES:
SILVA, Alda. Nhandesy Kaiowá. Aldeia Jaguapiru, 2019.
JUCA, Getúlio. Nhanderu Kaiowá. Aldeia Jaguapiru, 2019.
CADOGAN, León. Mainomby Reko Ypykue: Ayvu Rapyta. São Paulo: USP, 1959.
Montoya, Antonio Ruiz de. Tesoro de la Lengua Guaraní. Madrid, 1639.

IMAGENS:
ANFISBENA. Educalingo. Portugal, 2019.




[1] Pesquisa e organização. Doutor em história da educação pela UFSCar. Karai Nhanderova’igua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário