sexta-feira, 5 de abril de 2019

YAGUARETÊ ABÁ: O HOMEM-ONÇA.


Yaguaretê aBá: o homem-onça.
Sousa, N.M.[1]
Entre os mitos difundidos entre os falantes da língua guarani, o Yaguaretê Abá é muito popular na Argentina, na região de Corrientes e Córdoba. Trata-se da história do homem-onça que devorava os demais.
A história guarani do homem-onça á análoga à teoria antropológica de Thomas Hobbes, o homem-lobo, aquele que devora o próprio homem. Thomas Hobbes foi um filósofo político da modernidade arcaica que teorizou a respeito do estado de natureza, sem o Estado, no qual a índole negativa do gênero humano seria responsável pela violência generalizada resumida na expressão latina: homo homini lupus, o homem é o lobo do próprio homem. O remédio contra a violência autodestrutiva seria a abdicação de parte das liberdades individuais em nome de uma entidade que reprimiria o impulso autodestrutivo. Este impulso destrutivo e devorador é relatado também no Mito dos Gêmeos quando as onças, jaguaretê kuéry, devoram a mãe do sol, kuarahy, e da lua, jasy, quando fazia sua jornada em buca do pai dos meninos, Nhanderu.
O mito do Jaguaretê Avá foi pesquisado também pelo professor Kaiowá João Machado, morador da aldeia Bororó em Dourados, Mato Grosso do Sul. Ele é formado em letras e mestre em linguística pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Segundo o pesquisador, este homem-bicho tinha o hábito de aparecer nas estradas à noite, por onde trafegavam viajantes e carreteiros. De acordo com seus informantes indígenas, era um índio de má índole que vivia junto à sua família, mas o demônio Anháy instigou-lhe a matar sua mãe, pai e os irmãos. Sem nenhum parente, passou a viver solitário nas florestas e morrarias, amaldiçoado e condenado a comer carne humana.
A presença do Jaguaretê Avá também foi confirmada nas matas de Mato Grosso do Sul pelo sr. Antonio Guarani, segundo seu sobrinho, Jorge Sanches. Conforme o relato de seu tio, um homem foi avistado durante uma caçada a porcos do mato com flechas na mão. Foi avistado mais de uma vez no meio da mata. Mais adiante, o sr. Antonio, ao ouvir o grunhido de um dos porcos, foi verificar e avistou o homem, metamorfoseado em onça, devorando a caça.
Os mitos, segundo o professor José Ribamar Bessa Freire (UERJ), são narrativas de cunho pedagógico e histórico que guardam, nas sociedades de tradição oral, memórias sociais históricas. Para fundamentar empiricamente a afirmação acima, citamos outras aparições do Yaguaretê Abá, considerado um bruxo que se transforma em onça com uma capa do coro deste animal e depois volta à sua forma humana. Durante o tempo em que está na forma de onça, devora homens e animais.
Os índios guarani da Aldeia Potrero Gasu, em Paranhos, denunciaram em 2016 a aparição de homens-fera, que à noite metamorfosearam-se em pistoleiros para invadir as casas de velhos, aterrorizando-os, queimam casas de famílias, materiais didáticos de crianças, e que, amaldiçoados, vivem escondidos nas matas e cabanas da fronteira entre Paranhos e Ypehun, no Paraguai. Por que fazem isto? É difícil responder, mas suponho que a razão é aterrorizar os Guarani e Kaiowá que queiram retornar aos seus antigos territórios, de onde foram removidos décadas atrás e já foram reconhecidos como terra de ocupação tradicional.
Outro lugar onde o Jaguarete Avá foi visto recentemente foi no tekoha Te’ýikuê, na cidade de Caarapó, MS. Ali o homem-onça foi visto dirigindo trator durante o dia e portando armas à noite, rondando e ameaçando moradores para não saírem dos limites da reserva em direção às antigas aldeias de onde foram expulsos.
O Jaguaretê Avá não é um mito, mas uma realidade histórica que devora os Guarani e Kaiowá desde o período colonial, quando os bandeirantes, uma espécia de homem-onça de São Paulo, atacavam os Guarani-Itatim e os levavam às centenas como escravos para as fazendas de Sorocoba e Santo André.

Interrogado sobre o assunto, Thomas Hobbes respondeu dizendo: "Onde o estado não está presente, garantindo direitos, ele é substituído pelo Jaguaretê Avá, que ao fim devorará a todos, pois seu apetite é insaciável", advertiu o filósofo.

REFERÊNCIAS E FONTES:
Colmán, Narcizo R. Ñande Ypy Kuéra.  San Lorenzo: Imprenta y Editorial Guarani, 1937.
MACHADO, João. Jaguaretê Avá. Aldeia Bororó: Relato oral, 2014.
SANCHES, Jorge. Jaguaretê Avá. Dourados: Relato oral, 2019.

IMAGENS:
UFF. Jaguaretê Avá. Rio de Janeiro: Departamento de Artes, 2019.
MITOS Y LEYENDAS. Yaguarete Abá. Argentina, 2019.





[1] Pesquisa e organização. Doutor em história da educação pela UFSCar. Karai Nhanderova’igua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com

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