Sousa, N.M.[1]
Uma narrativa mítica é uma espécie de protótipo que não se
encerra num só tempo e lugar, pois é anterior à escrita e segue além dela. O
mito Jasy jaterê é um destes casos. Outro nome pelo qual é conhecido é Avarendy’i, descendente da lua, Jasy, seu fragmento.
Entre os Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul, a
etnografias registram a dualidade de gênero para a lua, ora masculina ora
feminina, explicação para sua superfície marcada, marca da menstruação, ou mulher
marcada pelo pai com leite de mamão para não despertar olhares alheios. A
dualidade de gênero lunar é mencionada pelas pesquisadoras Granciela Chamorro (2008)
e Lauriene Seraguza (2013).
Avarendy’i, indiozinho resplandecente na língua guarani, ou
saci, é um ser que dificulta os trabalhos domésticos cotidianos, apaga o fogo,
queima alimentos, espanta o gato e perturba os viajantes solitários, esclarece
Câmara Cascudo (1954).
Segundo a professora Jacy Guarani da aldeia Yvykurusu/Takuaraty,
em Paranhos, MS, entrevistada por Seraguza (2013), a lenda difundida no
Paraguai com o nome de Jasy Jaterê
se assemelha a outra narrativa conhecida na sua aldeia de um “menino loiro,
branco, portador de duas pernas e que carrega consigo um bastão”. O Saci, Jasy
Jatere ou Xanxin é mencionado também por Egon Schaden (1998, p.157), sendo uma
espécie de “deus”, protetor das matas, florestas, animais e crianças.
Jasy, para subir aos céus, a morada dos pais, Nhanderu e
Nhandesy, impôs ao irmão maior, Kuarahy,
Nhanderyque’y, que só o seguirá se com
ele forem todas as mulheres da terra. O ciclo biológico feminino é lunar e sua
manifestação. Este poder de atração de Jasy sobre as mulheres é compartilhado
por Jasy Jaterê, sua manifestação
terrena.
O parentesco de Avarendy’i
pode esclarecer um pouco de sua personalidade, pois é a origem de seu nome
verdadeiro, lugar de onde veio seu Ayvu.
Ele é neto de Mba’ekuaa, filho de Jasy e sobrinho de Anhã. Jasy Jaterê se manifesta na vida das mulheres de várias
maneiras, seja engravidando, perseguindo ou provendo suas necessidades. Seu
papel se relaciona com a constituição do corpo e concepção da pessoa, esclarece
a antropóloga Lauriene Seraguza (2013).
Segundo Julinha Guarani, “os brasileiros é que inventaram
isso dele ter uma perna só”. Esta distinção narrativa é um marcador identitário
entre os guarani (oréva) e os demais
(nhandéva). O bastão mágico de Jasy
Jaterê é também representado como uma simples taquara, um bastão de ritmo,
veículo portador de humanidade tomado pelos homens à natureza, de origem, mas
não mais da mata.
Aos céticos que duvidam das ações de Jasy Jaterê, lembramos
que o jornal Dourados News registrou duas de suas travessuras. A ele foram
atribuídos dois raptos: uma jovem no Paraguai (2009) e um idoso em Dourados
(2012). Egon Schaden (1998) atestou sua presença desde a década de 40 no sul de
Mato Grosso do Sul, sempre sob o disfarce de outros nomes: atsýygua, kambá’í,
xaxim-taterê.
Segundo este autor o Jasy Jaterê se apresenta com um menino
pequeno de suas pernas, igualzinho a um menino em todas as suas feições. O
sinal de sua presença é um assobio que dá calafrios e estremece quem o ouve
pelas estradas. Não se deve nunca arremedar ou duvidar da existência do Saci,
pois ele pode aparecer para castigar com o seu bastão. Estão todos avisados!
Cascudo,
Câmara. Dicionário do Folclore
Brasileiro. São Paulo: Ediouro, 1954.
CHAMORRO, Cândida G. A. Terra
Madura, yvy araguyje. Dourados,
MS: Ed. UFGD, 2008.
SCHADEN,
Egon. Aspectos fundamentales de
la Cultura Guaraní. Assunción/Py: Universidad Católica, 1998.
seraguza,
Lauriene. Cosmos, corpos e mulheres
kaiowá e guarani: de Anã a Kuña. Dourados: UFGD, 2013.
IMAGENS:
SERAGUZA. Jasy Jaterê.
Assunção, 2012.
Metadados:
Avarendy’i, Kamba’i, Jasy Jaterê, Lauriene Seraguza,
Graciela Chamorro, Egon Schaden.
[1] Pesquisa
e organização. Doutor em história da educação pela UFSCar. Karai
Nhanderova’igua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
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