segunda-feira, 15 de abril de 2019

TUPÃ: O TROVÃO


Tupã, trovão na língua tupi, é uma entidade da mitologia tupi-guarani. Muitos indígenas cantam Nhanderuvuçu, o grande pai, e a Tupã, seu mensageiro. Tupã não seria exatamente uma divindade, mas sua manifestação no estrondo do trovão e no clarão do raio, ára verá.
A confusão é aparente, mas está relacionada com o esforço jesuítico de conversão dos índios. Outra expressão associada à Tupã, é Nhanderuetê, "nosso pai verdadeiro", segundo a tradição mby’á, uma língua do tronco linguístico tupi. Tupã é também a divindade que criou a luz e o universo. Sua morada é o sol nascente, considerado antepassado por muitos Guarani.
Câmara Cascudo afirma que Tupã é uma adaptação da catequese jesuítica, muito embora o conceito é anterior aos missionários como sinônimo de trovão, pois a palavra deriva de tu-pá, tu-pã ou tu-pana, estrondo, golpe ou batida. Assim, é um efeito e não uma causa. Tupã expressa a ideia do som ouvido nas tempestades e seu reflexo luminoso é o relâmpago, ára verá em guarani, e Tupãberaba e Amãberaba, em tupi antigo.
A etimologia da palavra Tupã é controversa e passou por muitas interpretações que contam o percurso da conquista dos povos indígenas na América. A primeira interpretação considera que o termo significa “pai supremo”, derivada de tuba, pai, e ama, supremo. Esta interpretação não se sustenta, pois o termo tupi ama significa estar em pé, como flauta que ganha vida quando um sopro passa por seu interior.
A forma primitiva de tupã era tupana, que no tupi colonial ainda se encontra e aparece nos textos de Anchieta e Nóbrega. Este termo poderia resultar da aglutinação de tupã-ara, dia santo.
Montoya, em seu Tesouro de la Lengua Guarani” afirma que tupã, viria de Tu, admiração e pã, sufixo de pergunta. Nome que aplicaram a Deus, num esforço hermenêutico associado ao Maná da Bíblia.
Outra sugestão para a origem desta palavra seria o verbo teapu, roncar, como se diz no Amazonas, teapuan. Por outro lado, o termo tupi colonial, ainda utilizado entre os falantes de Guarani é Tyapu, referência ao trovão que transita do nascente, kuarahy resê, ao ponte, kuarahy reike.
Geraldo Lupenda (1953) defende o ponto-de-vista de que a palavra tupã ou tupana é composta de tu, onomatopéia de "golpe", e pana (ou pã), palavra também onomatopáica, designativa de "pancada, barulho, som". Cita como exemplo a palavra ytu, que significa golpe d'água, cachoeira; mbotu, bater em, golpear, chocar-se com. A palavra pana vem do verbo mopana, bater, fazer soar. Portanto, tupana significa "barulho de golpe, som de pancada, som de golpe". É o próprio trovão.
Sobre Tupã, os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta escreveram que os Tupinambás e os Tupininquins são uma "gentilidade que nenhuma cousa adora, nem conhece a Deus; somente aos trovões chama Tupane, que é como diz cousa divina. E assim nós não temos outro vocábulo mais conveniente para os trazer ao conhecimento de Deus, que chamar-lhe Pae Tpuane" (Nóbrega, 1549, p. 99).
O padre Anchieta nas suas "Informações do Brasil e de suas Capitanias", 1584, assim escreve: "Nenhuma criatura adoram por Deus, somente aos trovões cuidam que são Deus, mas nem por isso lhes fazem honra alguma". Observe o esforço dos missionários e conquistadores em negar qualquer esboço de religião aos índios e, quando identificados, associados ao demônio e à idolatria, como foi o caso das expedições para destruir ídolos pelo Peru colonial.
A forma tupi para o termo é propriamente tupana e foi generalizada sob a forma de tupã, possivelmente por indireta do guarani. A palavra tupana primeiramente significou o trovão, que era também a representação do poder divino, e daí significou o próprio Ser Supremo. Por isto os jesuítas a aplicaram o termo para designar Deus e, posteriormente passou a indicar "dia santo", como neologismo cristão.
Os índios, atribuindo a Deus a mesma palavra que designava o trovão, não fugiram à regra gramatical da língua. Além disso, há que se considerar o conceito de Deus difundido pelos missionários do século XVI, um Deus castigador e implacável, imagem próxima à ideia expressa pelo termo Tupã.

REFERÊNCIAS E FONTES:
CARVALHO, Moacyr Ribeiro de. Dicionário Tupi (antigo) - Português. Salvador, 1987.
Cascudo, Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Ediouro, 1954.
Lapenda, Geraldo. Etimologia da Palavra "Tupã". Pernambuco: Boletim Universitário da Faculdade de Filosofia de Pernambuco, 1953.
Montoya, Antonio Ruiz de. Tesoro de la Lengua Guaraní. Madrid, 1639. https://bit.ly/2D41hQS
NÓBREGA, Manuel da. Cartas Jesuíticas, I, 1549-1560. p. 99.



notas:
1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karaí Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
2. A grafia adotada para as palavras tupi e guarani seguem a forma adotada pelas fontes consultadas, acrescidas de acentuação para facilitar a pronúncia.
3. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às mídias sociais.
4. Metadados: Nhanderuvuçu, Tupã, Ára Verá, Tupana. Imagens: Tupã e Diagrama genealógico de Tupã segundo tradições mitológicas no Paraguai.

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