Tupã, trovão na língua tupi, é uma entidade da mitologia
tupi-guarani. Muitos indígenas cantam Nhanderuvuçu,
o grande pai, e a Tupã, seu mensageiro. Tupã não seria exatamente uma divindade,
mas sua manifestação no estrondo do trovão e no clarão do raio, ára verá.
A confusão é aparente, mas está relacionada com o esforço jesuítico
de conversão dos índios. Outra expressão associada à Tupã, é Nhanderuetê, "nosso pai verdadeiro",
segundo a tradição mby’á, uma língua do tronco linguístico tupi. Tupã é também
a divindade que criou a luz e o universo. Sua morada é o sol nascente, considerado
antepassado por muitos Guarani.
Câmara Cascudo afirma que Tupã é uma adaptação da catequese
jesuítica, muito embora o conceito é anterior aos missionários como sinônimo de
trovão, pois a palavra deriva de tu-pá, tu-pã ou tu-pana, estrondo, golpe ou
batida. Assim, é um efeito e não uma causa. Tupã expressa a ideia do som ouvido
nas tempestades e seu reflexo luminoso é o relâmpago, ára verá em guarani, e Tupãberaba
e Amãberaba, em tupi antigo.
A etimologia da palavra Tupã é controversa e passou por
muitas interpretações que contam o percurso da conquista dos povos indígenas na
América. A primeira interpretação considera que o termo significa “pai
supremo”, derivada de tuba, pai, e ama, supremo. Esta interpretação não se
sustenta, pois o termo tupi ama
significa estar em pé, como flauta que ganha vida quando um sopro passa por seu
interior.
A forma
primitiva de tupã era tupana, que no tupi colonial ainda se encontra
e aparece nos textos de Anchieta e Nóbrega. Este termo poderia resultar da
aglutinação de tupã-ara, dia santo.
Montoya,
em seu Tesouro de la Lengua Guarani” afirma que tupã, viria de Tu, admiração e
pã, sufixo de pergunta. Nome que aplicaram a Deus, num esforço hermenêutico
associado ao Maná da Bíblia.
Outra
sugestão para a origem desta palavra seria o verbo teapu, roncar, como
se diz no Amazonas, teapuan. Por outro lado, o termo tupi colonial,
ainda utilizado entre os falantes de Guarani é Tyapu, referência ao
trovão que transita do nascente, kuarahy resê, ao ponte, kuarahy
reike.
Geraldo
Lupenda (1953) defende o ponto-de-vista de que a palavra tupã ou tupana é
composta de tu, onomatopéia de "golpe", e pana (ou pã), palavra
também onomatopáica, designativa de "pancada, barulho, som". Cita
como exemplo a palavra ytu, que significa golpe d'água, cachoeira; mbotu,
bater em, golpear, chocar-se com. A palavra pana vem do verbo mopana,
bater, fazer soar. Portanto, tupana significa "barulho de golpe, som de
pancada, som de golpe". É o próprio trovão.
Sobre
Tupã, os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta escreveram que os
Tupinambás e os Tupininquins são uma "gentilidade que nenhuma cousa adora,
nem conhece a Deus; somente aos trovões chama Tupane, que é como diz cousa
divina. E assim nós não temos outro vocábulo mais conveniente para os trazer ao
conhecimento de Deus, que chamar-lhe Pae Tpuane" (Nóbrega, 1549, p. 99).
O
padre Anchieta nas suas "Informações do Brasil e de suas Capitanias",
1584, assim escreve: "Nenhuma criatura adoram por Deus, somente aos
trovões cuidam que são Deus, mas nem por isso lhes fazem honra alguma".
Observe o esforço dos missionários e conquistadores em negar qualquer esboço de
religião aos índios e, quando identificados, associados ao demônio e à
idolatria, como foi o caso das expedições para destruir ídolos pelo Peru
colonial.
A
forma tupi para o termo é propriamente tupana e foi generalizada sob a forma de
tupã, possivelmente por indireta do guarani. A palavra tupana
primeiramente significou o trovão, que era também a representação do poder
divino, e daí significou o próprio Ser Supremo. Por isto os jesuítas a
aplicaram o termo para designar Deus e, posteriormente passou a indicar
"dia santo", como neologismo cristão.
Os
índios, atribuindo a Deus a mesma palavra que designava o trovão, não fugiram à
regra gramatical da língua. Além disso, há que se considerar o conceito de Deus
difundido pelos missionários do século XVI, um Deus castigador e implacável,
imagem próxima à ideia expressa pelo termo Tupã.
REFERÊNCIAS E FONTES:
CARVALHO, Moacyr Ribeiro de. Dicionário Tupi (antigo) -
Português. Salvador, 1987.
Cascudo,
Câmara. Dicionário do Folclore
Brasileiro. São Paulo: Ediouro, 1954.
Lapenda,
Geraldo. Etimologia da Palavra
"Tupã". Pernambuco: Boletim Universitário da Faculdade de
Filosofia de Pernambuco, 1953.
Montoya,
Antonio Ruiz de. Tesoro de la Lengua
Guaraní. Madrid, 1639. https://bit.ly/2D41hQS
NÓBREGA,
Manuel da. Cartas Jesuíticas, I, 1549-1560. p. 99.
notas:
1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor
em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karaí
Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
2. A grafia adotada para as palavras tupi e guarani seguem a
forma adotada pelas fontes consultadas, acrescidas de acentuação para facilitar
a pronúncia.
3. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às
mídias sociais.
4. Metadados: Nhanderuvuçu, Tupã, Ára Verá, Tupana. Imagens:
Tupã e Diagrama genealógico de Tupã segundo tradições mitológicas no Paraguai.
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