domingo, 28 de abril de 2019

O MITO DOS GÊMEOS


O mito, ao contrário do que afirma o senso comum, é uma narrativa tradicional sobre o passado. Saber o que são é um desafio, pois protegem significados misteriosos sob análises, definições e explicações complexas.

Os mitos são encontrados em todas as sociedades e funcionem de diferentes maneiras em cada uma. Podem tentar explicar a origem do universo e da humanidade.
Um dos mitos mais contados pelos Guarani é o Mito dos Gêmeos e possui muitas versões, sendo registrado deste o século XVI por Jean de Léry. Após a criação da nova terra, seus primeiros habitantes foram o irmão mais velho e o nosso irmão caçula, ambos filhos da esposa do grande deus nosso pai, Nhanderuvusu. Mais tarde, os meninos transformar-se-ão: o primeiro no Sol, e o segundo na Lua. São inapropriadamente chamados de Gêmeos, pois têm pais diferentes.
O parentesco guarani é patrilinear. A criança descende da linhagem parterna. O pai de Futuro Sol, Pa’i Kuará, é o deus Nanderuvusu. O da Futura Lua é uma outra figura divina, Nanderu Mba’ekuaá, Nosso Pai que sabe as coisas. Ele aparece desde o início do mito e engravida a mulher já grávida de seu marido e depois desaparece completamente.
Quando a mulher, irritada com o marido, contou-lhe o infortúnio do qual foi vítima, ele decidiu deixar a esposa infiel e abandonar a nova terra à própria sorte. A ruptura entre o divino e o humano foi então consumada, a história dos homens encontra nela seu verdadeiro ponto de partida e começa, se assim podemos dizer, mal.
O espaço do divino, yvy marane’y: a Terra Sem Mal, e o espaço do humano, yvy mba’emeguá, a terra imperfeita, separam-se neste momento, passando para patamares exteriores, yváy, um do outro. O esforço existencial da humanidade consistirá na abolição dessa separação, em tentar transpor esse espaço infinito que os mantêm afastados dos deuses mediante migrações, jejuns, danças, preces, meditação, fundamentos da prática e do pensamento esotérico guarani.
O mito dos Gêmeos conta, em sua versão mais completa, a longa sequência das aventuras dos dois meninos. Tanto Nimuendajú como Samaniego referem-se ao Mito de los Gêmeos, elemento básico da religião guarani e de outras nações indígenas. Pa'i Rete Kuarahy, como se vimos nos escritos de Cadogan junto aos Guarani Mbyá, criou seu irmão menor Jasyrã, futura Lua. Esta narrativa expressa a dificildade nas crenças religiosas Mbyá com a divinização e adoração de gêmeos, no sentido de crianças que tem nascimento simultâneo no mesmo parto.
Dizem os Mbyá (CADOGAN, 1959, p. 77) que quando um matrimônio desagrada aos deuses, estes permitem que Mba’e Pochy envie espíritos maus até as crianças após o nascimento.

REFERÊNCIAS E FONTES:
AQUINO, João. Mito dos Gêmeos. Araçatuba, 1991.
Cadogan, León. Ayvu Rapyta. São Paulo: USP, 1959.
Clastres, Pierre. A fala sagrada. Campinas: Papirus, 1990.
MINDLIN, Betty. O fogo e as chamas do mito. ESTUDOS AVANÇADOS 16 (44), 2002.

NOTAS:

1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karai Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
2. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às mídias sociais.
3. A grafia adotada para as palavras tupi e guarani seguem a forma adotada pelas fontes consultadas, acrescidas de acentuação para facilitar a pronúncia.
4. Metadados: Mito dos gêmeos, kuarahy, jasy, Pa’i Kuará, Nanderuvusu, Nanderu Mba’ekuaá. Imagens: Guarani e Kaiowá de Paranhos, Professores. Guarani Rembi’uete. Dourados (MS): ASIE, 2019.




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