O mito, ao contrário do que afirma o senso comum, é uma
narrativa tradicional sobre o passado. Saber o que são é um desafio, pois
protegem significados misteriosos sob análises, definições e explicações
complexas.
Os mitos são encontrados em todas as sociedades e funcionem
de diferentes maneiras em cada uma. Podem tentar explicar a origem do universo
e da humanidade.
Um dos mitos mais contados pelos Guarani é o Mito dos Gêmeos
e possui muitas versões, sendo registrado deste o século XVI por Jean de Léry. Após a criação da nova
terra, seus primeiros habitantes foram o irmão mais velho e o nosso irmão
caçula, ambos filhos da esposa do grande deus nosso pai, Nhanderuvusu. Mais
tarde, os meninos transformar-se-ão: o primeiro no Sol, e o segundo na Lua. São
inapropriadamente chamados de Gêmeos, pois têm pais diferentes.
O
parentesco guarani é patrilinear. A criança descende da linhagem parterna. O
pai de Futuro Sol, Pa’i Kuará, é o deus Nanderuvusu. O da Futura
Lua é uma outra figura divina, Nanderu Mba’ekuaá, Nosso Pai que sabe as
coisas. Ele aparece desde o início do mito e engravida a mulher já grávida de
seu marido e depois desaparece completamente.
Quando
a mulher, irritada com o marido, contou-lhe o infortúnio do qual foi vítima, ele
decidiu deixar a esposa infiel e abandonar a nova terra à própria sorte. A
ruptura entre o divino e o humano foi então consumada, a história dos homens
encontra nela seu verdadeiro ponto de partida e começa, se assim podemos dizer,
mal.
O espaço
do divino, yvy marane’y: a Terra Sem Mal, e o espaço do humano, yvy
mba’emeguá, a terra imperfeita, separam-se neste momento, passando para
patamares exteriores, yváy, um do outro. O esforço existencial da
humanidade consistirá na abolição dessa separação, em tentar transpor esse
espaço infinito que os mantêm afastados dos deuses mediante migrações, jejuns,
danças, preces, meditação, fundamentos da prática e do pensamento esotérico guarani.
O
mito dos Gêmeos conta, em sua versão mais completa, a longa sequência das
aventuras dos dois meninos. Tanto Nimuendajú como Samaniego referem-se ao Mito
de los Gêmeos, elemento básico da religião guarani e de outras nações indígenas.
Pa'i Rete Kuarahy, como se vimos nos escritos de Cadogan junto aos Guarani Mbyá,
criou seu irmão menor Jasyrã, futura Lua. Esta narrativa expressa a dificildade
nas crenças religiosas Mbyá com a divinização e adoração de gêmeos, no sentido
de crianças que tem nascimento simultâneo no mesmo parto.
Dizem
os Mbyá (CADOGAN, 1959, p. 77) que quando um matrimônio desagrada aos deuses,
estes permitem que Mba’e Pochy envie espíritos maus até as crianças após
o nascimento.
REFERÊNCIAS E FONTES:
AQUINO, João. Mito
dos Gêmeos. Araçatuba, 1991.
Cadogan, León.
Ayvu Rapyta. São Paulo: USP, 1959.
Clastres, Pierre. A fala sagrada. Campinas: Papirus, 1990.
MINDLIN, Betty. O
fogo e as chamas do mito. ESTUDOS
AVANÇADOS 16 (44), 2002.
NOTAS:
1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor
em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karai
Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
2. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às
mídias sociais.
3. A grafia adotada para as palavras tupi e guarani seguem a
forma adotada pelas fontes consultadas, acrescidas de acentuação para facilitar
a pronúncia.
4. Metadados: Mito
dos gêmeos, kuarahy, jasy, Pa’i Kuará, Nanderuvusu, Nanderu Mba’ekuaá. Imagens: Guarani e Kaiowá de Paranhos, Professores. Guarani Rembi’uete. Dourados (MS): ASIE,
2019.
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