segunda-feira, 22 de abril de 2019

TERRA LIVRE


Nesta semana, Brasília receberá com a polícia mais de quatro mil indígenas de todas as etnias do país durante o 16º Acampamento Terra Livre, ATL. O acampamento chamou a atenção da presidência, que trovejou contra os índios pelas redes sociais.
Ao falar de movimento indígena no Brasil, consideramos como marco cronológico a entrada da União das Nações Indígenas (UNI) no campo dos conflitos, a partir de sua criação no Seminário de Estudos Indígenas de Mato Grosso do Sul, entre 17 e 20 de abril de 1980.
Este seminário ocorreu a partir de proposta da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e contou com a presença de 15 etnias. Como era de se esperar, apesar do empenho do poder público para que as reuniões não ocorressem, as lideranças indígenas e o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) movimentaram-se para divulgar o encontro na imprensa, o que atraiu a presença de representantes da ABA (Associação Brasileira de Antropologia): Darcy Ribeiro e Carmem Junqueira.
Quais foram as pautas do movimento indígena, observado desde a UNI? Denúncia do abandono das comunidades, ineficácia do indigenismo estatal e demarcação das terras. Assim, o movimento de professores indígenas, dos jovens indígenas e das mulheres indígenas traz como pauta histórica a demarcação das terras como direito fundamental, mas amplia as pautas reivindicatórias a partir da ausência de direitos. Mário Juruna e Marçal de Souza foram os coordenadores deste seminário fundador da UNI. O relatório final registrou discurso de Marçal Guarani: “condenem este seminário se quiserem, mas nós queremos reunir todo o povo indígena do Brasil. É o encarregado que vai falar por nós? Ele mexe na papelada, mas jamais vai entender de índio (DEPARIS, 2007, p. 86).”
A UNI não foi oficializada até 1985 e foi inovadora no contexto indígena, considerando que povos, anteriormente inimigos entre si, passariam a ser representados pela mesma entidade, no âmbito da Constituinte e em diversas reuniões internacionais no período de 1981 - 1987. Consideramos que a UNI existiu até a conquista dos artigos da Constituição de 1988, sendo posteriormente substituída pela APIB, Articulação do Povos Indígenas no Brasil.
Uma forma de organização indígena são os fóruns. Dentre estes, destacamos o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI), criado no dia 23 de junho de 2004, em Brasília, por organizações indígenas e indigenistas de longa tradição no processo de debate e construção de uma política indigenista pública brasileira. Busca afirmar publicamente o reconhecimento aos direitos indígenas firmados na Constituição Federal de 1988 e em normas internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo governo brasileiro em 2004. O CTI (Centro de Trabalho Indigenista), fundado em 1979, participou desde o início da fundação do FDDI.
O FDDI foi uma organização que deu início à mobilização dos Acampamentos Terra Livre (ATL). Em um destes acampamentos foi fundada a APIB, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, uma associação nacional de entidades que representam os povos indígenas do Brasil. A APIB nasceu em 2005, num momento em que as lideranças indígenas regionais começavam a se tornar notórias nacionalmente, mas se encontravam ainda bastante dispersas e isoladas. Os propósitos declarados na fundação eram: fortalecer a união dos povos indígenas, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país; unificar as lutas dos povos indígenas, a pauta de reivindicações e demandas e a política do movimento indígena; e mobilizar 
os povos e organizações indígenas do país contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas.

Fazem parte da APIB a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), a Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região (ARPIPAN), a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL), a Grande Assembleia do Povo Guarani (ATY GUASU) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
Sua instância deliberativa superior é o Acampamento Terra Livre, uma reunião de lideranças indígenas realizada anualmente na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Possui uma Comissão Nacional Permanente, responsável pela aplicação dos planos da APIB. A partir de 2017, observamos que a coordenação da APIB passou a ser exercida em caráter rotativo, permitindo a presença em Brasília de lideranças indígenas dos diferentes Estados, que conseguem, deste modo, encaminhar as pautas nacionais, mas também as de suas comunidades.

REFERÊNCIAS E FONTES:
DEPARIS, Sidiclei Roque. UNIÃO DAS NAÇÕES INDIGENAS (UNI): CONTRIBUIÇÃO AO MOVIMENTO INDÍGENA NO BRASIL (1980-1988). Dissertação de Mestrado. UFGD: Dourados, 2007.
SOUZA, Édina. Marçal de Souza. Dourados, 2019.

NOTAS:
1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karaí Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
2. A grafia adotada para as palavras tupi e guarani seguem a forma adotada pelas fontes consultadas, acrescidas de acentuação para facilitar a pronúncia.
3. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às mídias sociais.
4. Metadados: UNI, APIB, ATL. Imagens: SUESS, Paulo. Marçal Guarani. Dourados, 1983.

Nenhum comentário:

Postar um comentário