terça-feira, 9 de abril de 2019

ÁRY PAPAHA, ARAGUYJE ÑEMOKANDIRE, O CALENDÁRIO.


ÁRY PAPAHA, ARAGUYJE ÑEMOKANDIRE, O CALENDÁRIO.
O calendário guarani não é solar, mas lunar e o ano novo é marcado pelo aparecimento da constelação das Plêiades, Eichu, marca do início da primavera, tempo de Jakairá.
É comum dizerem que o ano guarani de dividide em duas estações: a fria, de dias curtos, e a quente, de dias longos. Por outro lado, o vocabulário e a poesia destas línguas trazem termos para as três estações: inverno, primavera e verão.
O inverno é tempo novo que se inicia, ára ymã, período histórico associado à época primitiva da primeira terra, yvy tenondé. Época dos dias curtos, noite longas e frias, animais fracos, frutas escassas e período de fome.
Quando o Nhanderuvusu considera que seus filhos já preceram privações o suficiente, poem fim a este estado, fazendo que a época de abundância volte, mudando de morada e alterando os pilares, xiru, do tempo, ára.
Realizada esta mudança nas bases do tempo, Jakairá, o deus da primavera, faz circular novamente o fluído vital, jasuká, por todo o universo, florescendo as plantas, engordando os animais e alimentando as pessoas. O tempo antigo, ára ymã, converte-se pela bondade de Nhanderu, em araguyje pyahu, primavera. Neste tempo, até os deuses se rejuvenescem, araguyje pyahupe Ñande Ru Kuéry jepe ikunumimba.
Araguyje também é sinônimo de ano e araguyjê pyahu é ano novo. Ára significa época, tempo-espaço. De acordo com Tesoro de lengua guaraní de Montoya, aguyje sifgnifica perfeição, snedo utilizado para o tempo em que a fruta está madura, Ijaguyje ymã yva.
A primavera é a época de perfeição, explicada pelos nhanderu, portadores das tradições religiosas, com a expressão Araguyjéramo Kandire, para explicar a beleza desta época do ano.
A expressão utilizada para primavera tem sentido histórico e religioso para os Guarani, pois remetem a uma idade de ouro, época da primeira terra, Yvy Tenondê, desaparecida sob as águas do Dilúvio, Yporu. Os moradares desta primeira terra não conheciam a morte como nós, pois eram virtuosos e cumpriamos os preceitos, entoavam os cantos sagrados e executavam as danças sagradas acompanhadas pelo Mbaraká e Takuá, alcançando desta maneira o estado de aguyjê, perfeição, graça.
O estado de aguyjê permitiu a entrada no patamar dos deuses menores, Tupãmi, sem passar pela prova da morte, onde estão as chamas da sabedoria divina que iluminas o coração na mansão celeste indestrutível, ohupity omarã'neỹrã, segundo locução religiosa oñemokandire ou ikandire. Trata-se de um conceito de despertar para a nova vida, abandonando a antiga, ára ymã, em troca da bondade divina araguyje ñemokandire, época da perfeição desfrutada pelos bem-aventurados.
Ao fim da primera advém o tempo de Kuarahy pukuha jevy, retorno do sol longo. Entre os kaiowá de Te’ýikuê, Caarapó, MS, o início do ano novo é marcado pelo ritual do Temity Ára, época em que a terra e as sementes começam a serem preparadas para o plantio, normalmente próximo da data de 24 de julho, solstício de inverno.
O calendário da ilustração que acompanha este artigo foi desenhado com base em pesquisa com os mestres tradionais do Tekoha Panambizinho, Dourados, MS, Valdomiro Aquino e Roseli Conscianza, e professores da Escola Indigena Pa’í Chiquito Pedro.

REFERÊNCIAS E FONTES:
Cadogan, León. Ayvu Rapyta. São Paulo: USP, 1959.
CANDIDO, D. H.; NUNES, L. H. Mitologia e Climatologia. Revista Brasileira de Climatologia. Ano 8, Vol. 11, JUL/DEZ 2012
CONSCIANZA, Roseli. Nhandesy Kaiowá. Aldeia Panambizinho, 2019.
LITAIFF, A. Mitos e práticas entre os índios Guaranis. Revista Tellus, ano 8, n. 14, abr. 2008. Campo Grande – MS. Ed. UCDB Tellus.
Montoya, Antonio Ruiz de. Tesoro de la Lengua Guaraní. Madrid, 1639. https://bit.ly/2D41hQS

notas:
1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karaí Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
2. A grafia adotada para as palavras tupi e guarani seguem a forma adotada pelas fontes consultadas, acrescidas de acentuação para facilitar a pronúncia.
3. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às mídias sociais.
4. Metadados: Áry Papaha, Jakairá, áry, ára. Imagens: Calendário Tradicional, aldeia Panambizinho, 2019;

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