Sousa, N.M.[1]
A história de Taú e Keraná está relacionada à gênese dos males na
mitologia e tradições guarani do Paraguai e Argentina. A união amaldiçoada entre
Taú, o espírito do mal, e Keraná, gerou sete seres, póra, ou males que assolaram a humanidade.
Tupã, após criar a
humanidade com sua companheira, Arasy,
partiu e deixou dois espíritos: o mal, Taú,
e o bem, Angatupyry. Modelos
arquetípicos de comportamento. Segundo o mitógrafo paraguaio Narciso Colman
(1937), a união entre Taú e Keraná, estabelecida mediante um rapto, foi
amaldiçoada por Arasy, a mãe do
tempo e da terra e esposa do criador, Tupã.
Taú raptou Keraná após vencer Angatupyry,
com a ajuda de seu avô Pytá Jovái, num
combate que durou sete dias.
A genealogia de Keraná indica seu lugar na humanidade, mas conectada
aos antepassados divinos. Era filha do cacique Marangatu, personificação da sabedoria e generosidade, neta de Sypavê, mãe da humanidade, e Rupavê, pai da humanidade, bisneta de Tupã, criador que habita no sol, e Arasy, mãe do tempo que habita a lua. Tumé Arandú, irmão mais velho de
Marangatu, era o tio de Keraná. Outros tios de Keraná eram Japeusá, transformado em caranguejo após trágica morte, e Porãsy, deusa da beleza que ascendeu
como estrela da manhã.
Os filhos de Taú e Keraná são sete e todos, exceto um, têm aparência
horrenda: Tejú Jaguá, deus ou
espírito das cavernas e frutas; Mbói Tu'î,
deus dos cursos de água e criaturas aquáticas; Moñai, deus dos campos abertos; Jasy Jaterê, deus da sesta, único dos sete que não tem aparência de
monstro; Kurupi, deus da sexualidade
e fertilidade; Aó-aó, deus dos
montes e montanhas e Luisón, deus da
morte e tudo relacionado a ela.
O fim desta história está relacionado ao sacrifício de Porãsy na gruta
de Jaguarón e a estratégia de Tumé
Arandu. Porãsy propôs casamento à Moñái
e a cerimônia atraiu todos os irmãos para a caverna de Tejú Jaguá, onde foram queimados e ascenderam como as estrelas das
Plêiades e a estrela da manhã, Porãsy.
A mitologia tupi-guarani, dentro da qual se encontra a história de Taú e Keraná, é o conjunto de narrativas sobre os deuses, espíritos e
heróis dos diversos povos tupi-guaranis, antigos e atuais. As fontes são
variadas escritas e orais. Os relatos são compostos por cosmogonias (criação do
universo), antropogonias (criação da humanidade) e os rituais (cantos, danças e
rezas). Os assim chamados mitos, são parte das religiões destes povos e seus
descendentes. Sua religiosidade é chamada de mito e folclore por serem literatura
e religiosidade de povos colonizados, ao passo que as narrativas colonizadoras se
autodenominaram filosofia, teologia, religião e história.
O termo mitologia deve ser utilizado com muito cuidado por estar
associado às histórias imaginárias e lendas, devido à influência das filosofias
racionalistas e iluministas no pensamento ocidental desde a Grécia antiga. Por
outro lado, as narrativas lendárias têm caráter histórico ao se referirem a
técnicas sofisticadas de memória e significação da realidade testemunhas de um
mundo anterior à escrita e que segue criando e atualizando-se apesar das muitas
formas de escrita.
REFERÊNCIAS E FONTES:
CADOGAN, Leon. Ayvu
Rapyta. São Paulo: USP, 1959.
CLASTRES, Pierre. A
Fala Sagrada. São Paulo: Papirus, 1990.
Colmán, Narciso
Rosicrán. Ñande Ypy Kuéra (nossos
antepassados). San Lorenzo: Imprenta y Editorial Guarani,
1937.
MARSAL, Carlos Villagra (org). Mitos y Leyendas del Paraguay Mestizo. Asunción: Diario Popular,
2010.
NAVARRO, E. A. Dicionário
de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo: Global,
2013.
NIMUENDAJU, Kurt.
As Lendas da Criação e Destruição do
Mundo como Fundamento da Religião dos Apapocúva Guarani. São Paulo:
Hucitec-USP, 1987.
SOUSA GUARANI, Teodora et all. Ka’aguy Póra’i. Dourados: EdUFGD, 2018.
IMAGENS:
PATTY, P. Taú
rapta Keraná. 2008.
[1]
Pesquisa e organização. Doutor em história da educação pela UFSCar. Karai
Nhanderova’igua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
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