domingo, 7 de abril de 2019

TAÚ E KERANÁ


TAÚ E KERANÁ
Sousa, N.M.[1]
A história de Taú e Keraná está relacionada à gênese dos males na mitologia e tradições guarani do Paraguai e Argentina. A união amaldiçoada entre Taú, o espírito do mal, e Keraná, gerou sete seres, póra, ou males que assolaram a humanidade.
Tupã, após criar a humanidade com sua companheira, Arasy, partiu e deixou dois espíritos: o mal, Taú, e o bem, Angatupyry. Modelos arquetípicos de comportamento. Segundo o mitógrafo paraguaio Narciso Colman (1937), a união entre Taú e Keraná, estabelecida mediante um rapto, foi amaldiçoada por Arasy, a mãe do tempo e da terra e esposa do criador, Tupã. Taú raptou Keraná após vencer Angatupyry, com a ajuda de seu avô Pytá Jovái, num combate que durou sete dias.
A genealogia de Keraná indica seu lugar na humanidade, mas conectada aos antepassados divinos. Era filha do cacique Marangatu, personificação da sabedoria e generosidade, neta de Sypavê, mãe da humanidade, e Rupavê, pai da humanidade, bisneta de Tupã, criador que habita no sol, e Arasy, mãe do tempo que habita a lua. Tumé Arandú, irmão mais velho de Marangatu, era o tio de Keraná. Outros tios de Keraná eram Japeusá, transformado em caranguejo após trágica morte, e Porãsy, deusa da beleza que ascendeu como estrela da manhã.
Os filhos de Taú e Keraná são sete e todos, exceto um, têm aparência horrenda: Tejú Jaguá, deus ou espírito das cavernas e frutas; Mbói Tu'î, deus dos cursos de água e criaturas aquáticas; Moñai, deus dos campos abertos; Jasy Jaterê, deus da sesta, único dos sete que não tem aparência de monstro; Kurupi, deus da sexualidade e fertilidade; Aó-aó, deus dos montes e montanhas e Luisón, deus da morte e tudo relacionado a ela.
O fim desta história está relacionado ao sacrifício de Porãsy na gruta de Jaguarón e a estratégia de Tumé Arandu. Porãsy propôs casamento à Moñái e a cerimônia atraiu todos os irmãos para a caverna de Tejú Jaguá, onde foram queimados e ascenderam como as estrelas das Plêiades e a estrela da manhã, Porãsy.
A mitologia tupi-guarani, dentro da qual se encontra a história de Taú e Keraná, é o conjunto de narrativas sobre os deuses, espíritos e heróis dos diversos povos tupi-guaranis, antigos e atuais. As fontes são variadas escritas e orais. Os relatos são compostos por cosmogonias (criação do universo), antropogonias (criação da humanidade) e os rituais (cantos, danças e rezas). Os assim chamados mitos, são parte das religiões destes povos e seus descendentes. Sua religiosidade é chamada de mito e folclore por serem literatura e religiosidade de povos colonizados, ao passo que as narrativas colonizadoras se autodenominaram filosofia, teologia, religião e história.
O termo mitologia deve ser utilizado com muito cuidado por estar associado às histórias imaginárias e lendas, devido à influência das filosofias racionalistas e iluministas no pensamento ocidental desde a Grécia antiga. Por outro lado, as narrativas lendárias têm caráter histórico ao se referirem a técnicas sofisticadas de memória e significação da realidade testemunhas de um mundo anterior à escrita e que segue criando e atualizando-se apesar das muitas formas de escrita.

REFERÊNCIAS E FONTES:
CADOGAN, Leon. Ayvu Rapyta. São Paulo: USP, 1959.
CLASTRES, Pierre. A Fala Sagrada. São Paulo: Papirus, 1990.
Colmán, Narciso Rosicrán. Ñande Ypy Kuéra (nossos antepassados).  San Lorenzo: Imprenta y Editorial Guarani, 1937.
MARSAL, Carlos Villagra (org). Mitos y Leyendas del Paraguay Mestizo. Asunción: Diario Popular, 2010.
NAVARRO, E. A. Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo: Global, 2013.
NIMUENDAJU, Kurt. As Lendas da Criação e Destruição do Mundo como Fundamento da Religião dos Apapocúva Guarani. São Paulo: Hucitec-USP, 1987.
SOUSA GUARANI, Teodora et all. Ka’aguy Póra’i. Dourados: EdUFGD, 2018.

IMAGENS:
PATTY, P. Taú rapta Keraná. 2008.


[1] Pesquisa e organização. Doutor em história da educação pela UFSCar. Karai Nhanderova’igua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com

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