Sousa, N.M.[1]
Japeusa era um filho desobediente que fazia tudo ao
contrário, na mitologia guarani do Paraguai. Envenenou por acidente sua irmã
Iracema e por isso se suicidou afogado. Seu corpo foi transformado em
caranguejo, caminhando sempre para trás.
De acordo com a
narrativa registrada pelo poeta paraguaio Colman (1937), Tupã é o Deus supremo
dos guarani, divindade que criou a luz e o universo. Sua morada é Kuarahy, o
sol. Contraiu núpcias com Arasy, consagrada mãe do céu e fixa sua morada na
lua, Jasy. Foi tupã quem criou os Guarani.
Ao criar a terra, deixou
dois espíritos para orientar o caminho de todos: Angatupyry, o espírito do bem, e Tau, o espíritu do mal. Rupave
e Sypave tiveram três filhos e
muitas filhas: Tume Arandu, grande
sábio e profeta guarani, pai da sabedoria, inspirado no céu, também conhecido
como Pa’i Sume; Marangatu: virtuoso,
bondoso, pai de Keraná, a deusa de
sonho e filha mimada; Japeusa, que nasceu
em pé e filha desobediente, pois fazia tudo ao contrário. Japeusa passou a ser
desprezada pela família por ter envenenado por engano sua irmã, Iracema. Despois deste fato, sucicou-se
afogando-se e seu corpo se transformou num caranguejo que anda sempre para
trás.
Rupavê e Sypavê
começaram a viver na terra, na colina Areguá.
Amavam-se muito e se multiplicaram sob o olhar protetor de Tupã. Não conheciam
a dor, nem a fome, nem a angústia. Iracema foi a última filha, deusa do
murmúrio das águas, deusa do Mbaraká
que morreu prematuramente pela imprudência de seu irmão Japeusá. Outras das irmãs
foi Porãsy, mãe da beleza; Guarasyáva, exímia
nadadora; Tupinambá, de força física incomparável.
Durante muitos anos, a família viveu satisfeita na colina Areguá, onde tiveram seus filhos. Uma
noite, Iracema cantou muito e amanheceu enferma, sem voz. A mãe, Sypavê, chamou
seu filho Japeusa para buscar com urgência ervas para tratá-la. Pediu
que trouxesse agrial e casca de ingá, que seriam cozidas com sal extraído do
brejo.
O chá seria servido no dia seguinte para Iracema sob a forma
de gargarejo, mas Japeusa fez tudo errado. Colheu pimentões ardentes, folhas de
ka’atai, urtiga e duas laranjas azedas com os quais preparou uma bebida e deu
para a irmã beber. Não passou meia hora, a garganta de Iracema inchou e se
irritou de tal maneira que interrompeu completamente a respiração. Ao meio dia,
a jovem curvou-se como uma flor que murcha e entregou seu espírito à Tupã em
meio à grande tristeza. Em sua tribo ficou apenas a lembrança do seu perfume.
Iracema nunca se casou e dedicava-se somente à música e ao canto.
A notícia de sua morte trágica trouxe pessoas de muito longe
que trouxeram muitos presentes, a maioria para comer. Depoisitavam os presentes
em uma urna de barro. Depositaram sobre seu corpo muitas ervas medicinais,
esperando que voltasse à vida, pois até então não conheciam a morte. Um dos
presentes discursou: “ainda que sejamos testemunhas de sua morte, nos recusamos
a aceitá-la, pois Iracema continua entre nós.”
Seu irmão mais velho, Tumé
Arandu, disse que deveriam deixar seu corpo num lugar adequado, pois o
corpo sem o alento ficará distante de nós, mas seu espírito ficará por perto. Tupã ordenou que fosse dada sepultura
na terra, local para onde todos a seguiriam na hora da morte.
A sabedoria de Tupã concebeu
nosso corpo com órgãos e a cada um legou uma necessidade. A boca pede de comer
e beber o dia todo. Os olhos pedem a
contemplação
das paisagens e da beleza do mundo. O nariz clama pelos bons odores. Os ouvidos
reclaram as doces harmonias, cantos e acordes do violão. Até os desejos sexuais
têm a função de evitar a solidão. O mesmo ocorre com a terra, um ser que vive e
se alimenta das plantas e do nosso corpo. Tudo o que vive em sua superfício,
cedo ou tarde, vai para o interior de suas entranhas. Com o passar do tempo
ninguém mais se lembrará de vocês, mas quando a terra tiver se nutrido de seus
corpos, o indivíduo morto experimentará uma outra forma de vida, sentindo as
emoções que a mãe terra experimenta, pois é um ser com vida e movimento. A água
é seu sangue e o ar seu alento. A vegetação é seu pelo e as videiras são os
intestinos dos bosques.
Japeusa, disse seu irmão Tumé Arandu, cometeu um erro por ignorância. Obedeceu ao seu
próprio temperamento e desígnio traçado por Tupã. É preciso ter clemência dele.
REFERÊNCIAS E FONTES:
Colmán, Narcizo
R. Ñande Ypy Kuéra. San Lorenzo: Imprenta y Editorial Guarani, 1937.
IMAGENS:
Hillewaert, Hans. Marbled Swimming
Crab. Bélgica, 2005.
[1] Pesquisa
e organização. Doutor em história da educação pela UFSCar. Karai
Nhanderova’igua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
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