quarta-feira, 3 de abril de 2019

JAPEUSA: O CARANGUEJO.

japeusa: o caranguejo.
Sousa, N.M.[1]
Japeusa era um filho desobediente que fazia tudo ao contrário, na mitologia guarani do Paraguai. Envenenou por acidente sua irmã Iracema e por isso se suicidou afogado. Seu corpo foi transformado em caranguejo, caminhando sempre para trás.
De acordo com a narrativa registrada pelo poeta paraguaio Colman (1937), Tupã é o Deus supremo dos guarani, divindade que criou a luz e o universo. Sua morada é Kuarahy, o sol. Contraiu núpcias com Arasy, consagrada mãe do céu e fixa sua morada na lua, Jasy. Foi tupã quem criou os Guarani.
Ao criar a terra, deixou dois espíritos para orientar o caminho de todos: Angatupyry, o espírito do bem, e Tau, o espíritu do mal. Rupave e Sypave tiveram três filhos e muitas filhas: Tume Arandu, grande sábio e profeta guarani, pai da sabedoria, inspirado no céu, também conhecido como Pa’i Sume; Marangatu: virtuoso, bondoso, pai de Keraná, a deusa de sonho e filha mimada; Japeusa, que nasceu em pé e filha desobediente, pois fazia tudo ao contrário. Japeusa passou a ser desprezada pela família por ter envenenado por engano sua irmã, Iracema. Despois deste fato, sucicou-se afogando-se e seu corpo se transformou num caranguejo que anda sempre para trás.
Rupavê e Sypavê começaram a viver na terra, na colina Areguá. Amavam-se muito e se multiplicaram sob o olhar protetor de Tupã. Não conheciam a dor, nem a fome, nem a angústia. Iracema foi a última filha, deusa do murmúrio das águas, deusa do Mbaraká que morreu prematuramente pela imprudência de seu irmão Japeusá.  Outras das irmãs foi Porãsy, mãe da beleza; Guarasyáva, exímia nadadora; Tupinambá, de força física incomparável.
Durante muitos anos, a família viveu satisfeita na colina Areguá, onde tiveram seus filhos. Uma noite, Iracema cantou muito e amanheceu enferma, sem voz. A mãe, Sypavê, chamou seu filho Japeusa para buscar com urgência ervas para tratá-la. Pediu que trouxesse agrial e casca de ingá, que seriam cozidas com sal extraído do brejo.
O chá seria servido no dia seguinte para Iracema sob a forma de gargarejo, mas Japeusa fez tudo errado. Colheu pimentões ardentes, folhas de ka’atai, urtiga e duas laranjas azedas com os quais preparou uma bebida e deu para a irmã beber. Não passou meia hora, a garganta de Iracema inchou e se irritou de tal maneira que interrompeu completamente a respiração. Ao meio dia, a jovem curvou-se como uma flor que murcha e entregou seu espírito à Tupã em meio à grande tristeza. Em sua tribo ficou apenas a lembrança do seu perfume. Iracema nunca se casou e dedicava-se somente à música e ao canto.
A notícia de sua morte trágica trouxe pessoas de muito longe que trouxeram muitos presentes, a maioria para comer. Depoisitavam os presentes em uma urna de barro. Depositaram sobre seu corpo muitas ervas medicinais, esperando que voltasse à vida, pois até então não conheciam a morte. Um dos presentes discursou: “ainda que sejamos testemunhas de sua morte, nos recusamos a aceitá-la, pois Iracema continua entre nós.”
Seu irmão mais velho, Tumé Arandu, disse que deveriam deixar seu corpo num lugar adequado, pois o corpo sem o alento ficará distante de nós, mas seu espírito ficará por perto. Tupã ordenou que fosse dada sepultura na terra, local para onde todos a seguiriam na hora da morte.
A sabedoria de Tupã concebeu nosso corpo com órgãos e a cada um legou uma necessidade. A boca pede de comer e beber o dia todo. Os olhos pedem a 
contemplação das paisagens e da beleza do mundo. O nariz clama pelos bons odores. Os ouvidos reclaram as doces harmonias, cantos e acordes do violão. Até os desejos sexuais têm a função de evitar a solidão. O mesmo ocorre com a terra, um ser que vive e se alimenta das plantas e do nosso corpo. Tudo o que vive em sua superfício, cedo ou tarde, vai para o interior de suas entranhas. Com o passar do tempo ninguém mais se lembrará de vocês, mas quando a terra tiver se nutrido de seus corpos, o indivíduo morto experimentará uma outra forma de vida, sentindo as emoções que a mãe terra experimenta, pois é um ser com vida e movimento. A água é seu sangue e o ar seu alento. A vegetação é seu pelo e as videiras são os intestinos dos bosques.

Japeusa, disse seu irmão Tumé Arandu, cometeu um erro por ignorância. Obedeceu ao seu próprio temperamento e desígnio traçado por Tupã. É preciso ter clemência dele.

REFERÊNCIAS E FONTES:
Colmán, Narcizo R. Ñande Ypy Kuéra.  San Lorenzo: Imprenta y Editorial Guarani, 1937.

IMAGENS:
Hillewaert, Hans. Marbled Swimming Crab. Bélgica, 2005.




[1] Pesquisa e organização. Doutor em história da educação pela UFSCar. Karai Nhanderova’igua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com 

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